…entre celebrações, lamentos e denúncias…

Por Patrick Timmer, Secretário Geral Adjunto da ABUB

“A oração nos garante que realmente encontramos o Cristo no próximo e na história e que não nos iludimos com meros desejos piedosos.” (Segundo Galileia, Contemplação e Engajamento, pág. 10)

Uma das coisas que mais aprendi na ABU, e à qual mais fui desafiado, é a compreensão de que nossa vida cristã, nossa crença em Jesus Cristo, e nossa obediência às Sagradas Escrituras não devem ser exercidas como mera realização de “desejos piedosos”, ou como um refúgio onde podemos nos sentir confortáveis, seguros e longe dos problemas do mundo.

Sou grato a Deus pela ABUB por acreditar que nesse movimento tenho sido constantemente desafiado à realidade de que uma vida piedosa nos pede envolvimento profundo com a dor do próximo, com a proclamação das boas novas, e por um desprendimento sacrificial em prol do projeto de um novo Reino que já se iniciou. Tal desafio é inatingível por nossas próprias mãos, por isso graças ao Deus triúno pela presença de seu Espírito edificador – e santo instigador – entre nós.

Muita coisa aconteceu desde a última vez que algo foi compartilhado nesse espaço informativo, que busca convidar o leitor ordinário das notícias da ABU para uma caminhada por entre de diferentes acontecimentos e eventos que se passam no dia-a-dia na vida de estudantes e grupos, e que de alguma forma são escolhidos para serem trazidos à tona. E porque muita coisa acontece nesse movimento, nem sempre é fácil dar essa volta, mas creio que ainda assim vale a pena, por mais mais panorâmico que seja esse passeio.

No início deste ano, cerca de 55 estudantes de diferentes cidades brasileiras, além de 3 participantes estrangeiros, estiveram reunidos no Instituto de Preparação de Líderes, na cidade de Guarulhos-SP. Sob o tema “O Rei Servo”, estudamos o Evangelho de Marcos, e fomos todos (tanto estudantes quanto equipe de obreiros e apoiadores voluntários) novamente chamados a olhar para aquele que nos serviu, e que deu a Sua vida em resgate de muitos. Entre momentos marcantes de partilhar o pão, de lavar os pés uns dos outros, de reconhecer os diversos pecados que temos dentro de nós, pudemos nos abrir para que o Evangelho nos mostrasse que maior é o que serve. Alguns foram acometidos pelas angústias geradas por uma mensagem que confronta nossas decisões, nossas opções de vida e de carreira profissional, de envolvimento na sociedade e com aqueles que sofrem. Muitos outros puderam entender na prática a dimensão do serviço à qual esse mesmo Evangelho nos chama, seja ao visitar igrejas evangélicas em diversos contextos da metrópole urbana paulistana, seja ao conviver com estudantes de outras regiões e de diferentes realidades sociais. Oremos para que esses estudantes permaneçam fiéis aos ensinamentos do Mestre, e que saibam discernir os sinais dos tempos e compreender de que forma podem se engajar na missão em suas escolas e universidades. (Nota: esse texto de Raphael Freston é muito instigador para pensarmos em como nos envolvermos mais)

Antes ainda do IPL, celebramos o bonito (ainda que intenso e cansativo) momento de reunião do Conselho Diretor da ABUB. Impossível não ver – entre tantos números, decisões, e discussões – um movimento pulsante e vivo, feito por estudantes engajados, e não ser tomado por uma sensação de pertencer a um corpo que, unido, procura caminhar sob a direção do Espírito. Foi especial podermos nos alegrar com a entrada de mais um obreiro de tempo integral (Josué Penteado, região SP/MS), podermos gastar tempo pensando e sonhando sobre como avançar no ministério entre estudantes secundaristas, e também de compartilhar os desafios financeiros que temos para esse ano, e sentir que esse é um compromisso de todos.

O início do ano, no entanto, também nos trouxe momentos de contrição. As semanas passam, a vida volta ao normal, mas a dor ainda está presente entre as famílias de Santa Maria–RS, que permanecem enlutadas com a tragédia ocorrida na madrugada do dia 27 de janeiro. Em bonita reflexão, nosso Secretário Geral Reinaldo Percinoto Jr. – segundo suas próprias palavras “em período sabático mas antenado no mundo” –, nos convidou a chorar mais por nossa juventude, a saber olhar quais as dores que sente nossa geração, e prantear junto com ela.

Nesses momentos de dor e de choro, muitos de nós recorremos à oração. Esse nem sempre é um exercício automático. Num mundo frenético como o nosso, saber se aquietar, chorar com aqueles que choram, e orar com sinceridade de coração e com os punhos abertos (como escreve Henri Nouwen em seu livro sobre a Oração), não é fácil. Que Deus nos ajude a buscar sempre essa postura e essa atitude, a de orar como quem participa do desenho de Deus na história.

Ao mesmo tempo, é um desafio para nós fugirmos da tentação de usar a oração como um mero refúgio. Como nos lembra Segundo Galileia,

“A oração não é uma corrida para Deus que nos afasta do homem; ela é um impulso que se desenvolve dentro de nós e que nos diz que a Pessoa que encontramos através dela, devemos, igualmente, encontrá-la no nosso semelhante.” (Contemplação e Engajamento, pág. 11)

Como dizia no começo dessa reflexão, a oração e a vida piedosa não devem nos levar à estagnação nem à apatia. Ao contrário, estas devem nos lançar ao mundo, em missão. E o mundo não é um lugar confortável de se estar – assim experimentou Jesus desde que veio à manjedoura. A verdade bíblica da encarnação pode ser profundamente desconcertante, à medida em que sinaliza a opção de Deus pela fragilidade da condição humana; e a cruz e a ressurreição são sínteses máximas de um Deus que escolhe sofrer para que sua criação possa se reconciliar com ele.

Nesse sentido, também somos chamados a nos posicionar, a tomar lado, a carregar a cruz, a sofrer com a criação caída e de não nos conformarmos com tantas tragédias que vemos à nossa volta.

A opção da ABUB de se juntar à mobilização da Rede FALE e de outras organizações – acerca da indicação de parlamentar que está na iminência de assumir a Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados –, por exemplo, não é mero acaso, tampouco ingenuidade; antes, é fruto do entendimento de que a fé cristã não é exercida abstratamente, mas deve se tornar carne e osso, deve ter voz para as questões que nos fazem chorar e orar. Que este seja um aprendizado comunitário: saber avaliar de que formas concretas percebemos que devemos nos engajar em missão.

Nos dois últimos anos a ABUB, durante os Cursos de Férias (CFs) regionais, tem dado ênfase especial para essa dimensão fundamental do Cristianismo: em 2011, quando estudamos o livro do profeta Amós, vimos o quão ligadas estão o estilo de vida do profeta e sua mensagem, e como a omissão pode também ser uma séria desobediência. Em 2012, ao nos debruçarmos sobre a epístola de Tiago, fomos novamente confrontados a perceber que a fé sem obras é morta.

No meio de 2013, teremos mais uma vez a oportunidade de ver todos esses temas, juntos e misturados, quando formos estudar o livro do profeta Jeremias nos CFs regionais. Com o tema “pranto, denúncia, esperança”, queremos novamente ir mais a fundo nessa complexa e viva dinâmica de fé e obras, de vida e palavras, de amor a Deus e ao próximo. Estejamos em oração para que o Santo Espírito nos provoque mais uma vez, e que possamos entender o que significa para nós a sabedoria encontrada nas palavras de outro ‘profeta’ – leitor de seus tempos –, que nos diz:

“Através da nossa oração, unimo-nos à oração de Cristo e colaboramos com ele, de maneira bem real, para a salvação do homem e das coisas criadas. Deus mesmo pede que colaboremos com ele e desta forma, a oração, tanto quanto a ação apostólica, nos leva a um engajamento total na missão de Cristo; missão que ultrapassa o alcance dos sentimentos e do poder do homem.” (Segundo Galileia, Contemplação e Engajamento, pág. 8)

Entre celebrações, lamentos e denúncias: entendo que esse triplo movimento, não-linear, e não progressivo, é fundante em nossa vida cristã e deve estar sempre presente em nossa caminhada junto ao Jesus de Nazaré. Que não nos deixemos nunca prantear sem faze-lo com que outros ouçam e entendam a gravidade do pecado; que nosso choro e nosso engajamento com a obra não aconteçam sem a esperança de que é Deus que está realizando a Missão de reconciliar consigo toda a criação; que nossa esperança não seja mera ascese destituída de conteúdo e de implicações concretas em nosso dia-a-dia; e que nossa ação e envolvimento não sejam nunca mecânicos, mortos, ou cínicos, mas sempre regados por uma vida de oração e de plenitude junto àquele que foi, é e sempre será.

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