Graça me basta

Por Jequélie Cássia, Estudante de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo – ABU Vitória.

 

Em plena véspera de prova – não uma prova qualquer, mas uma prova bem complexa, o que basta pra explicar o nível de desespero e a urgência em estudar, me vejo pensando na Graça. Simples assim, mas nem tanto.

É que a graça é assim mesmo, completamente imiscuída no cotidiano, na hora da prova, do sono, da alimentação, da conversa, do choro, da raiva e do medo. E se manifesta por mil maneiras, as melhores delas surpreendentes: um email repleto de carinho e consolo, uma descoberta estranha no ambulatório, um ônibus estranhamente vazio na volta pra casa pra compensar o sufoco da manhã, um abraço apertado de saudade, um belo poema em homenagem a um grande poeta. Tenho a suspeita de que a graça é que dá cor à vida, o tom. Mesmo pra quem não a conhece, aceita ou reconhece. Até pra quem não faz ideia de que ela existe, ou pra quem está lendo esse texto e achando tudo desconexo ou uma ideia louca de alguém que não entende nada da vida. Tipo uma música que acabou de tocar, que fala que “eu podia ficar feio, só, perdido…mas com você eu fico muito mais bonito”. Acho que essa beleza que nos livra da possibilidade de uma vida sem graça, com perdão do trocadilho, é coisa da graça.

E me faz concordar com certa veemência com alguém que disse que todas as manifestações de arte, justiça, sabedoria, alegria,superação, ciência, trabalho e etc. e tal só se explicam pela graça. Explicam no sentido de justificar, porque entender a graça… ah, isso ninguém é capaz. Ela é apenas revelada, como um segredo, aos corações. É por isso que reafirmo que se manifesta a todos, mas nem sempre é reconhecida como graça. Pode até ser entendida como qualquer outra coisa, tantas quantas palavras ou expressões cabem num mistério, mas que, no fundo é apenas graça. Maravilhosa graça.

Nessa divagação, lembrei-me de Jonas, que não compreendeu como um ser Todo Poderoso, bom, puro e “tudo mais” podia se sujeitar a amar os desprezíveis ninivitas. E o irmão do filho pródigo, na mesma incompreensão do amor do Pai por quem negligentemente negou sua origem .

Vamos combinar, dizer que a graça é injusta é completamente racional. Como pensar diferente, se nossa visão sociocultural é da
meritocracia, se tanto pregamos contra o assistencialismo demagógico? E como é que vem Alguém presentear imerecidamente seres que só o mal sabem fazer, indignos de receberem o mesmo que outros tantos que tanto batalham pelo bem, que buscam amar, que estudam pra prova enquanto outros ficam em estranhas divagações? Injusto. Injusto. Daquele tipo de “injustiça” que só mesmo quem ama.

A “miss perfil” das redes sociais, Clarice Lispector, começou a desvendar o mistério quando disse que “viver ultrapassa qualquer entendimento”. E não vivemos senão pela graç (Ef 2.5). Daí que não é absurdo dizer que não se pode entender a vida porque a vida também é obra do mistério da graça. E ainda aconselha: “renda-se, como eu me rendi”. Sim, o jeito é render-se: mistérios pedem rendição. Um mistério que, por enquanto, conhecemos apenas em parte (ICo 13.12). Por enquanto.

Pela graça, nos basta viver, nos mover e existir (At 17.28).
Entendê-la? Não, obrigada.
Graça me basta.

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