O time de Antioquia

Por Natan de castro, Assessor da ABUB na região Centro-Oeste

 

Atos 15:36 – 16:10

Os critérios de escalação
Sempre que fazemos escolhas nos pautamos em alguns critérios. Talvez nossos parâmetros de escolha não sejam tão claros, mas ainda assim, os carregamos conosco como a tartaruga carrega seu próprio casco.

Pensemos, por exemplo, nos critérios para se escalar um time de futebol. Um bom técnico certamente levará em conta os seguintes critérios: as funções dos jogadores (atacante, volante, goleiro, lateral, etc.); o condicionamento físico dos jogadores (gordo? magro? veloz? lento?); a habilidade e talento individuais; capacidade de jogar em grupo; disciplina e submissão ao comando do técnico e capitão do time; etc. Se não for criterioso, o técnico poderá escalar para lateral um jogador sem velocidade ou montar um time forte no ataque e fraco demais na defesa. O bom time é o que consegue reunir as melhores qualidades de forma equilibrada.

A Bíblia, no livro de Atos, registra uma intensa desavença ocorrida entre os dois missionários e amigos Paulo e Barnabé. Tudo se deu pelos critérios diferentes que eles tinham para fazer a “escalação” de seu “time missionário”. Paulo queria montar um time forte cheio de “craques” experientes na fé. Barnabé, por ser mais visionário e pensar em longo prazo, queria investir nas “categorias de base” da missão. A tensão entre seus pontos de vista foi tão grande que eles acabaram montando cada um o seu próprio time missionário.

O pivô da briga entre os dois foi o jovem João Marcos. Ele era primo de Barnabé (Cl 4:10) e filho de Maria, uma senhora cristã fervorosa de Jerusalém, que costumava acolher em sua casa os cristãos para reuniões de oração (At 12:12). João Marcos havia acompanhado Paulo e Barnabé na primeira viagem missionária como auxiliar. É provável que Barnabé o tenha convidado a fim de treiná-lo na missão.

Entretanto, no meio da viagem, João Marcos decidiu voltar para Jerusalém. Isso aconteceu quando eles entraram na cidade de Perge (At 13:13). Não sabemos ao certo o motivo da desistência de João Marcos, mas podemos supor que ele regressou temendo as dificuldades da próxima etapa da viagem. Paulo e Barnabé foram expulsos de Antioquia da Pisídia (At 13:50) e fugiram de um apedrejamento em Icônio (At 14:5-6). Mesmo assim, em Listra, Paulo foi apedrejado violentamente até seus algozes acharem que ele estava morto (At 14:19). Enquanto isso, João Marcos estava confortável e em segurança na casa de sua mãe em Jerusalém. Essa sua fuga no momento em que mais precisavam do seu auxílio deixou Paulo muito decepcionado.

Por esse motivo, quando estavam se preparando para segunda viagem missionária, Paulo foi irredutível diante da proposta feita por Barnabé de levarem novamente João Marcos com eles (At 15:36-41). Não chegando a um acordo, Barnabé escolheu João Marcos e seguiu viagem para Chipre. Paulo, escolhendo Silas, partiu para Síria e Cilícia.

Silas, o escolhido de Paulo, era um líder notável entre os irmãos de Jerusalém (At 15:22). Além disso, era profeta e capacitado para encorajar e fortalecer as pessoas através de suas palavras. Certamente Silas era um habilidoso pregador do Evangelho. Depois de analizar todo esse currículo de Silas, Paulo prontamente o convidou para fazer parte do seu time missionário. Para ele, a entrada de Silas foi como se um time de segunda divisão conseguisse contratar um craque do melhor time da primeira divisão.

Ao partirem em viagem, Paulo e Silas se dirigiram primeiramente às cidades da Síria e da Cilícia. Nesta região se localizava a cidade de Tarso, terra natal de Paulo. Possivelmente, Barnabé havia ensinado a Paulo que o melhor lugar para se começar a fazer missão é em casa ou em ambientes que são familiares ao missionário. Isso é importante porque a missão genuína carece de relacionamentos próximos. As pessoas precisam ver o Evangelho encarnado na vida dos missionários e não apenas ouvi-lo sendo proclamado impessoalmente. Barnabé iniciou a primeira viagem missionária com Paulo e a segunda com João Marcos se dirigindo para Chipre, sua terra natal (At 4:36; 13:4; 15:39). Agora Paulo segue o exemplo de seu discipulador se dirigindo primeiramente a Tarso.

Escalando um craque de Listra
Saindo de Tarso, Paulo e Silas chegaram a Derbe e Listra. Nesta última cidade havia um discípulo chamado Timóteo que, provavelemente, se convertera ao cristianismo quando Paulo e Barnabé visitaram a cidade durante a primeira viagem. Naquela ocasião Paulo fora apedrejado pelos judeus de Antioquia e Icônio, que vieram a Listra para causar oposição à obra missionária.

Timóteo foi testemunha deste apedrejamento de Paulo (II Tm 3:10-11). Sua avó e mãe eram judias e o ensinaram desde pequeno a temer o Deus de Israel (II Tm 1:5 e 3:15). Seu pai, no entanto, era grego e não sabemos se em algum momento veio a se tornar cristão. Apesar de jovem, Timóteo tinha uma conduda cristã irrepreensível. Tanto os irmãos de Listra como os de Icônio (cidade vizinha) davam um bom testemunho a respeito dele e admiravam seu caráter. Depois de analizar o histórico de vida de Timóteo, Paulo também decide convocá-lo para fazer parte do seu time missionário. Afinal, o rapaz era novo, mas tinha muito potencial.

Timóteo aceita o convite para juntar-se aos missionários, mas Paulo impõe-lhe uma condição: Timóteo deveria ser circuncidado, pois todos os judeus daquela região sabiam que o pai dele era grego. Paulo, que já havia sofrido muito na mão daqueles judeus na primeira viagem, não queria “queimar seu filme” andando com um incircunciso e correr o risco de ser apedrejado mais uma vez.

O texto no diz que Paulo, Silas e Timóteo seguiram viagem. Por onde passavam transmitiam as decisões tomadas pelos apóstolos e presbíteros em Jerusalém para que fossem obedecidas. Ironicamente, a última decisão tomada em Jerusalém dizia respeito a não necessidade da circuncisão para a salvação (At 15). Paulo, que acabara de circuncidar Timóteo por medo dos judeus, ignorara intencionalmente essa decisão por sua própria conveniência. Apesar das incoerências de Paulo, as igrejas por onde passavam eram fortalecidas na fé e experimentavam crescimento (At 16:5).

Missionários em impedimento

Para se fazer uma longa viagem é necessário que haja um planejamento cuidadoso do itinerário. Ainda assim, o planejamento estará sujeito a alterações devido a imprevistos. Com o time missionário de Paulo não foi diferente. Inicialmente seu plano era visitar todas as igrejas que ele e Barnabé haviam fundado na primeira viagem (At 15:36). No entanto, como vimos, depois do desentendimento entre eles, Paulo refez seu plano e seguiu para a Síria e Cilícia fortalecendo outras igrejas (At 15:41).

Após a breve permanência em Listra, Paulo e seus companheiros planejavam se dirigir para a província da Ásia. Essa era uma região muito importante do Império Romano com proeminentes cidades como Éfeso, Colossos e Mileto. Paulo entendia que seria muito estratégico para a difusão do Evangelho pregar naquela região. Mas somos informados que o Espírito Santo os impediu de pregarem a palavra ali.

O plano B deles, então, foi se dirigirem para o norte em direção à Bitínia. Mas o texto bíblico nos informa que novamente eles foram impedidos pelo Espírito de Jesus de entrarem naquela região para pregarem o Evangelho.

Diante desses dois impedimentos consecutivos é inevitável perguntar: Por que motivo o Espírito Santo impediria alguém de pregar o Evangelho? Não é exatamente o Espírito Santo quem capacita os missionários para serem testemunhas de Jesus (At 1:8)? Por que, então, Paulo e seus companheiros foram impedidos pelo Espírito de pregarem o Evangelho em regiões tão pagãs como a província da Ásia e a Bitínia?

A soberania de Deus: Pensando o campeonato inteiro!

Começamos esse texto falando sobre as escolhas humanas e afirmamos que todas as escolhas envolvem critérios, mesmo que implícitos. Diante disso temos analizado os critérios de Barnabé e Paulo para escolherem parceiros para seus times missionários. Nesse momento, é necessário tratar de um assunto de difícil compreensão: A ação soberana de Deus em concomitância com a “livre” escolha do homem. A mentalidade ocidental, por ser filha do iluminismo, tende a polarizar essas realidades fazendo com que uma exclua a outra. Esse modo cartesiano de enxergar esse tema tem feito ao longo dos séculos que teólogos das duas vertentes se posicionem ferozmente em lados opostos de um grande cabo-de-guerra.

Embora haja tanta controvérsia sobre isso, a Bíblia apresenta a soberania divina e a ação humana em perfeita harmonia. Um bom exemplo é a história de José: Ele foi vendido maldosamente por seus irmãos e foi parar no Egito (Gn 37). Todavia, José enxergou a ação soberana de Deus o enviando para lá (Gn 50:20). Quem, afinal, foi o responsável pelo envio de José ao Egito? Os irmãos de José ou Deus? A Bíblia nos responde que foram ambos, mas Deus o fez sem pecar enquanto os irmãos de José o fizeram pecando.

No caso de Paulo e seu time missionário vemos algo semelhante. Paulo foi movido por critérios errados em suas escolhas: impaciência e intolerância com Barnabé e João Marcos, egoísmo ministerial ao escolher Silas e Timóteo, desobediência às decisões dos apóstolos e presbíteros de Jerusalém e incoerência entre seu ensino sobre a circuncisão e a sua prática. Mas, como veremos mais adiante, Deus agiu soberana e impecavelmente através das escolhas de Paulo. Como nos diz Salomão: “Em seu coração o homem planeja o seu caminho, mas o Senhor determina os seus passos” (Pv 16:9).

Mais um reforço no time

Como não puderam ir nem para província da Ásia nem para Bitínia, Paulo e seus companheiros contornaram a região montanhosa da Mísia e chegaram à cidade litorânea de Trôade. Ali Paulo teve uma visão noturna de um homem macedônio pedindo ajuda. Assim, ele e seus companheiros decidiram partir imediatamente para a Macedônia por entenderem que Deus os estava chamando para pregarem o Evangelho naquela região.

Ao observarmos com cuidado a narrativa notamos um detalhe sutil que pode passar despercebido ao leitor mais desatento. No versículo 10 do capítulo 16 vemos que o autor do livro de Atos passa a escrever na primeira pessoa do plural (“nós”, “nos”). Sabendo que o autor desse livro é o médico Lucas, podemos concluir que ele foi incorporado ao time missionário de Paulo em Trôade, passando a acompanhá-los no restante da viagem. Lucas se encarregou de registrar as viagens de Paulo. No futuro, depois de escrever o seu Evangelho, Lucas produziria um segundo livro (Atos dos Apóstolos) com o objetivo de mostrar a expansão do Evangelho desde a capital do judaísmo (Jerusalém) até a capital do Império (Roma).

Conclusão/Aplicação

Ao lermos essa história sobre os critérios de Barnabé e Paulo para suas escolhas e sobre a soberania de Deus guiando ambos não podemos deixar de extrair algumas lições para nossa vida hoje.

Pensemos primeiramente nos nossos critérios para escolhermos amigos e pessoas com quem desejamos nos relacionar. Escolhemos amigos a partir do benefício que poderemos receber deles (como Paulo escolheu Silas e Timóteo) ou escolhemos para amigos pessoas frágeis e limitadas para que possamos servi-las e ajudá-las a amadurecer (como Barnabé escolheu João Marcos)? Andamos somente com os bons, ricos e famosos ou também com os de má fama, fracos e pobres?

Jesus andava com prostitutas, publicanos e pecadores. Além disso, escolheu para seus discípulos as pessoas mais improváveis. Barnabé encorajou e discipulou Paulo quando ninguém queria se aproximar dele (At 9). Depois treinou João Marcos de forma que ele veio a se tornar útil até para o próprio Paulo que o desprezara no início (II Tm 4:11). Barnabé imitou a Cristo em seus critérios para se associar a pessoas débeis. Por isso os apóstolos acrescentaram o apelido de “Barnabé” (que significa encorajador) ao seu nome José (At 4:36).

Barnabé foi um líder discreto, mas diferencial no início da igreja primitiva. Ele não escreveu nenhum livro, mas foi responsável indireto por 17 dos 27 livros do Novo Testamento: O Evangelho de Marcos (escrito por João Marcos, primo e discípulo de Barnabé); Os Evangelhos de Mateus e Lucas (que utilizaram os relatos do Evangelho de Marcos); As 13 cartas de Paulo (que foi discípulo de Barnabé); e Atos (escrito por Lucas, companheiro de Paulo).
Se quisermos ser fiéis a Jesus Cristo e cumprir nosso chamado para sermos testemunhas do Evangelho em nosso tempo, precisamos nos dispor a andar com pessoas que ninguém deseja andar. Se Jesus foi ao encontro dos excluídos, nós também precisamos fazê-lo. Do contrário, vivendo em nossos confortáveis e seguros guetos cristãos, continuaremos sendo semelhantes aos fariseus que Jesus tanto confrontou em sua época.

Uma segunda lição que podemos aprender com este relato bíblico é que Deus age soberanamente guiando seus servos apesar das escolhas e motivações destes. Salomão mais uma vez acertou quando disse que “Ao homem pertencem os planos do coração, mas do Senhor vem à resposta da língua” (Pv 16:1).

Por causa dos dois impedimentos do Espírito, Paulo e seus companheiros se dirigiram a Trôade. Lá, Lucas (possivelmente depois de se converter através da pregação de Paulo) é incorporado ao time missionário de Paulo e passa a acompanhá-lo no restante da viagem.
Lucas se encarrega de registrar cada etapa da viagem em um diário. Ao que parece, Lucas se tornou um fiel companheiro para Paulo e esteve com ele até a hora de sua morte (II Tm 4:11). Além disso, ouviu os relatos de Paulo, Silas e Timóteo sobre a conversão de Paulo, seu relacionamento com Barnabé, a primeira viagem, o desentendimento com Barnabé e o início da segunda viagem até chegarem a Trôade. Reunindo esses relatos e os registros de seu diário, Lucas futuramente escreveria o livro de Atos dos Apóstolos.

Vemos então que, ao impedir que Paulo e seus companheiros se dirigissem para a província da Ásia e para Bitínia, o Espírito Santo estava pensando em nós, cristãos do século XXI, que leríamos os relatos de Lucas em seu evangelho e no livro de Atos e seríamos edificados. Deus também tinha planos para as seguintes cidades da Macedônia e Acaia: Filipos, Tessalônica, Beréia, Atenas e Corinto. Fundar comunidades cristãs nestas cidades representou um passo significativo para a expansão do Reino. Além disso, essas igrejas seriam no futuro um suporte para o ministério de Paulo (Fp 4:14-18).

Nós somos muito pragmáticos e imediatistas. Agimos para o nosso próprio benefício e pensamos apenas no “aqui e agora”. Mas Deus não é assim. Ele dirige a História com maestria agindo no particular e no geral, no individual e no coletivo, no pessoal e no comunitário. Quando Deus pensa em nós, também pensa muito além de nós. Ele está escrevendo uma História de redenção cósmica e, graciosamente, insere as nossas histórias pessoais no tecido maior de sua grande História de amor pela criação.

O que podemos fazer diante da maravilhosa realidade da soberania de Deus? A melhor forma de reação que podemos ter é a adoração. A melhor resposta que podemos dar é o louvor e gratidão. Foi isso que o poeta e músico Stênio Március fez ao compor a música “Tapeceiro”. Nessa canção ele retrata a vida humana como obra de tapeçaria e Deus como o grande artista e tapeceiro que usa todas as cores para tecer nossa história dentro de sua Históra maior.

Que a percepção de que Deus dirige nossas vidas criativa e soberanamente, apesar de nossas escolhas e motivações, produza em nós gratidão, louvor e adoração. Que a doutrina da soberania de Deus não nos paralize, mas, ao contrário, nos motive a servir com mais dedicação e entusiasmo ao Senhor do Reino. Porque, como nos disse Paulo: “… dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém. (Rm 11:36).

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